Exames podem prevenir doenças cardíacas 10 anos antes, afirma cardiologista


O cardiologista Fábio Vilas-Boas, doutor pelo Instituto do Coração (Incor) e também membro das sociedades europeia e americana de cardiologia, fala à Coluna Saúde sobre os principais avanços na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares. O médico destaca o potencial de procedimentos da chamada “cardiologia intervencionista”, que dispensa cirurgia. “Hoje mais de 90% dos casos de doenças das artérias coronárias são tratados com stents [próteses]. Menos de 10% são resolvidos com cirurgia, a qual está reservada para os casos mais complexos ou casos que envolvam trocas de válvulas do coração”, explica. Fábio também aborda a importância do diagnóstico precoce até mesmo de futuras enfermidades, muitas vezes feito através de exames de imagem, que podem detectar o risco de desenvolvimento da doença 10 anos antes. Ao contrário do que algumas pesquisas já apontaram, o especialista avalia que atualmente está “provado, comprovado e reprovado” que o uso de ômega 3 em cápsulas não previne doenças do coração. “Mas uma dieta que inclua peixes que tenham a substância está associada à redução de risco. Provavelmente, não é o ômega 3 em si, mas a dieta que a pessoa faz é antiaterogênica [impede a formação placas de gordura nas artérias]”, explica. 
Fotos e Matéria Original: Bahia Notícias
Bahia Notícias – Quais são as principais doenças do coração?
 
Fábio Vilas-Boas – As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo ocidental e, nos últimos 50 anos, a Medicina vem atacando os fatores de risco para desenvolvimento dessas doenças, que são também conhecidos: hipertensão, diabetes, tabagismo, sedentarismo, colesterol alto, sexo masculino e o avanço da idade. A compreensão desses fatores de risco veio do Estudo de Framingham, na década de 70. Para se ter ideia, na década de 50 não se sabia que cigarro fazia mal. Com essa intervenção dos fatores de risco, consegue-se, nos países desenvolvidos, pela primeira vez nos últimos anos, um declínio na incidência da doença cardiovascular, coisa que ainda não é observada no nosso país. Também graças às tecnologias, aos novos medicamentos. As pessoas que conseguem ter acesso ao sistema de saúde têm se beneficiado muito com a redução das complicações dessas doenças, com a redução da mortalidade. As pessoas hoje têm quantidade e qualidade de vida muito superiores a que havia 20 anos atrás. As principais doenças do coração são o infarto do miocárdio e o Acidente Vascular Cerebral (AVC). Essas são as principais e as mais devastadoras. Como consequência dela, nós temos outros problemas. Uma pessoa que teve infarto pode evoluir para insuficiência cardíaca, com falta de ar e cansaço. Uma pessoa que teve um AVC ou AVCs múltiplos pequenos enfrenta não apenas um déficit motor, mas também cognitivo e precoce. Ela vai perder a capacidade de raciocínio, vai “demenciar” mais cedo na sua vida. Não vai chegar aos 70 anos lúcida, vai começar a ter esquecimentos e quadros demenciais precoces. Esse é o principal cenário que enfrentamos hoje na cardiologia. A boa notícia é que hoje, diferente de 10 anos atrás, temos ferramentas que são capazes de antecipar o risco e diagnosticar 10 anos antes aquelas pessoas que vão ter doenças cardiovasculares.
 
BN – Que procedimentos são esses?
 
FV –  São exames principalmente de imagem. Ao longo dos últimos 40 anos, os médicos aprenderam a diagnosticar a doença cardíaca depois que ela estava instalada, se buscava a consequência. Colocava-se a pessoa para fazer teste de esforço em uma esteira e se a artéria estivesse mais de 75% entupida, teria um teste de esforço positivo e buscaria um exame de imagem para confirmar a doença e tratar com stent (prótese), cirurgia ou medicamentos. Hoje eu consigo, através de um exame de imagem não invasivo, sem furar a pessoa, ver aquela placa dez anos antes de entupir o vaso e dizer se tem risco de desenvolver doença cardíaca, inclusive em que não tem um perfil de risco. Então a tecnologia me permite detectar 10 anos antes e, nesses 10 anos, intervir agressivamente na redução do risco dessa pessoa.

BN – E quanto às intervenções cirúrgicas, quais são os principais avanços na cardiologia?
 
FV – A cirurgia cardíaca viveu, na década de 70 e 80, o seu apogeu. Se submetia às pessoas com doenças cardíacas às cirurgias de ponte de safena. O que percebemos nas últimas décadas é uma redução do número de cirurgias cardíacas e um avanço expressivo no que chamamos de cardiologia intervencionista, que consiste na colocação de próteses dentro da artéria, chamadas stents, em que você identifica uma obstrução, insufla, dilata e a desfaz, sem ter que abrir o peito da pessoa. Hoje mais de 90% dos casos de doenças das artérias coronárias são tratados com stents, com cardiologia intervencionista. Menos de 10% é resolvido com cirurgia, a qual está reservada para os casos mais complexos ou casos que envolvam trocas de válvulas do coração. Por exemplo, uma pessoa tem uma válvula e uma artéria entupidas. Vai lá, troca a válvula e vasculariza. Ou os casos em que os stents não são adequados, porque são multi arteriais, três ou quatro vasos, em um diabético, então se faz cirurgia.
 
BN – Costuma-se falar que o uso de ômega 3 pode prevenir as doenças cardiovasculares. Realmente faz efeito? Quais são os hábitos alimentares que devemos cultivar?
 
FV –  O ômega 3 dado como suplemento em cápsulas não tem nenhum efeito na redução de risco cardiovascular. Isso tá provado, comprovado e reprovado. Há uma vasta literatura mostrando que não serve para nada. 
 
BN – E para o emagrecimento?
 
FV –  Nem para isso. O ômega 3 não serve nem para o emagrecimento, nem para a doença cardio e cerebrovascular, nem para nada. Mas uma dieta que inclua peixes que tenham o ômega 3 está associada à redução de risco. Provavelmente, não é o ômega 3 em si, mas a dieta que a pessoa faz é antiaterogênica. E também não é um problema da gordura. Há gordura que faz bem e mal. Comer gordura boa, que é do tipo poli-insaturada, faz bem, desde que a pessoa não engorde. O que faz mal é ingerir gorduras saturadas, que levam a formação de um colesterol ruim. Esse tipo é encontrado em todas as frituras, nas frituras animais exceto a do peixe. A gordura de frango, a de carne bovina, tudo isso tem gordura saturada. A primeira medida que você tem que fazer é retirar da sua alimentação a gordura visível. Segundo, reduzir a ingestão de alimentos derivados do leite, porque são ricos em gorduras, preferir alimentos diet ou light e os queijos brancos. Paralelamente, deve ter uma dieta com dose de fibras, para manter o intestino funcionando regularmente e essas fibras absorverem essas gorduras dentro do intestino. Uma dieta que tenha frutas, verduras, sementes, nozes, linhaça. Isso tudo compõe uma dieta que é basicamente a do Mediterrâneo. A dieta mais saudável que existe é a dos países do Mediterrâneo. 
 
BN – E o vinho? Também é indicado?
 
FV –  O vinho também. O problema é que não somos um povo que tenha hábito de tomar vinho cotidianamente, mas a ingestão de bebida alcoólica, principalmente vinho tinto, em doses moderadas, de um a dois copos por dia, está associada à redução de risco. Mas essa é uma margem terapêutica muito estreita. Quem bebe pouco morre menos do que quem não bebe nada, mas quem bebe muito morre mais do que quem não bebe ou bebe pouco. Nenhum médico vai recomendar que a pessoa passe a beber com o objetivo de reduzir risco, mas aqueles que têm o hábito a gente deve estimular e que mantenha. E não serve economizar dez taças de segunda a sexta-feira e tomar todas no sábado. Teria que ser diário o consumo.

 
BN – Porque o infarto do miocárdio costuma ser mais comum em homens e pessoas com mais idade?
 
FV –  A causa de o homem ter mais risco remonta a bilhões de anos atrás. O homem tem um biotipo diferente da mulher, tem artérias mais grossas, ao longo do tempo ele se mostrou diferente. Então ser do sexo masculino é um fator de risco para ter doença coronária. Agora a idade é tanto do homem quanto da mulher, porque é maior o tempo que você se expõe a um ambiente pro aterogênico, aquele que favorece a aterogênese, a formação de placas nas artérias. A gente já nasce com estrias de gorduras nas artérias. Se pegar fetos e cadáveres de adolescentes e cortar as artérias coronárias você vai encontrar já as placas de gordura. A arteriosclerose é uma doença de uma vida, que acompanha a pessoa da infância à velhice. Nem sempre vai ser a causa de morte das pessoas, mas quanto mais velha, mais placas de gordura você terá nas artérias que vão para o cérebro, que são as carótidas, nas do coração, que são as coronárias, nas do intestino, das pernas e dos rins. Você encontra placa de gordura no corpo todo.  É um fenômeno sistêmico e que se agrava com a idade. Isso não quer dizer que 100% das pessoas com 80 anos vão ter placa. Tem muita gente com essa idade que não tem nada, mas são exceção. Pelo menos 40% dessas pessoas vão morrer de doenças cardiovasculares como consequência dessas placas de gordura.
 
BN – Alguns estudos apontam que pessoas que são obesas ativas podem ter menos chance de desenvolver doença cardíaca do que uma magra que seja sedentária. Como isso ocorre?
 
FV –  É verdade e essa é uma informação que poucas pessoas têm. É muito importante porque o que se acredita é que a camada que reveste por dentro das artérias, chamada endotério, precisa ser exercitada. A artéria precisa dilatar e contrair. Se você passa 60 anos sem praticar exercício físico, sem aumentar seu gasto calórico, para o coração bater mais rápido e mais forte, consequentemente, esticando as artérias, aquilo vai endurecendo e calcificando. Então se torna um endotério doente. Já aquela pessoa que faz exercício, durante a atividade, a pressão sobe, vai para 180 e 200. Esse treinamento torna as artérias mais maleáveis e isso tem um efeito antiaterosclerótico.

 


BN – Como as doenças do coração são uma das principais causas de morte na atualidade, o que representa lidar com esse tipo de especialidade tão perto dos dois extremos: vida e morte?
 
FV –  É muito recompensador lidar com os dois extremos. Tanto a prevenção primária, daquele que ainda não desenvolveu a doença, que chega para você, aos seus 40 anos, e lhe entrega a própria vida: “Doutor, teremos um pacto de que nos próximos 40 anos estou entregando a minha saúde para você gerenciar para que eu tenha o menor risco de desenvolver qualquer tipo de doença”. Então, eu tenho que oferecer a ele o máximo do meu conhecimento e o que a Medicina conheça. Isso é um prazer e satisfação profissional ao médico. Da mesma forma, a pessoa que já identificou um problema e quer sair de uma curva de evolução desfavorável, com vontade de mudar, ensinamos qual o caminho. Se tomar os medicamentos e seguir as orientações, segue e isso também é bacana. Mas talvez a resposta mais a curto prazo é cuidar do “doente doente”, que é o indivíduo que tem uma doença cardíaca gravíssima, com cansaço aos pequenos esforços, gravemente limitado na sua capacidade de viver e trabalhar. Então faço uma intervenção e devolvo a qualidade de vida para essa pessoa e, se possível, a quantidade de vida. Uma pessoa que tinha artérias entupidas, dor no peito e limitação e consegue ter corrigido isso, seja com remédios ou cirurgia ou uma intervenção tipo a homeoplastia. Ou uma pessoa que tem aquilo que chamamos de insuficiência cardíaca grave, o coração inchado e grande, as pernas inchadas com falta de ar, sem conseguir dormir, com a qualidade de vida gravemente comprometida. Após a intervenção, a pessoa volta a caminhar, a subir escada, isso também dá muito prazer ao médico e é um retorno muito mais imediato. Porque nos outros casos que descrevi, geralmente as pessoas não sentem nada. Os que já não sentiam nada continuam sem sentir, mesmo após baixar o colesterol e diminuir o açúcar, e o ganho é de longo prazo. Já o outro que está gravemente limitado melhora em dois e três dias e então é possível medir a quantidade do efeito da sua intervenção.

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