STF julga nesta quarta se libera o aborto de fetos sem cérebro


O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a partir das
9h desta quarta-feira (11) pedido para que a interrupção da gravidez de
anencéfalo (feto sem cérebro) não seja considerada crime.

Pelo
Código Penal, o aborto é crime em todos os casos, exceto se houver
estupro ou risco de morte da mãe. Como o texto não trata de anencefalia,
há anos juízes e tribunais têm decidido caso a caso sobre a interrupção
da gravidez, em muitos deles, concedendo os pedidos. Em outros, a ação
perdeu o objeto em razão da demora – quando o processo chegava às mãos
do juiz, o parto já havia ocorrido.

Foram tantos casos que a
controvérsia acabou chegando ao Supremo. O tipo de ação é uma arguição
de descumprimento de preceito fundamental (utilizada para fazer valer um
princípio da Constituição), apresentada em 2004 pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Para a confederação, impedir o
aborto nesses casos fere uma garantia fundamental: a dignidade da mãe.

A decisão do Supremo deve uniformizar o entendimento dos tribunais, porém, pode não resolver o problema.

Para
que o aborto seja totalmente permitido nos casos de anencefalia, e o
procedimento não tenha que esperar por uma decisão judicial em cada
caso, o Congresso teria de aprovar uma lei descriminalizando o aborto de
anencéfalos. Atualmente, tramitam no Congresso duas propostas
relacionadas ao tema, e nenhuma tem previsão para ser votada.

Veja a seguir os projetos em tramitação na Câmara e no Senado:

Projeto
   
PL 4403/2004 na Câmara,
autoria de Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Aguarda Parecer na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

Isenta de pena a
prática de “aborto terapêutico” em caso de anomalia do feto, incluindo o
feto anencéfalo, que implique em impossibilidade de vida extra uterina.
(Acrescenta inciso ao art. 128 do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de
dezembro de 1940 – Código Penal)
   
Projeto

PSL
50/2011 no Senado, autoria de Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa – Com a relatoria

Dispõe
que não se pune o aborto no caso de feto com anencefalia, se é
precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal. (Insere o inciso III ao art. 128 do Decreto-Lei nº
2.848/1940 – Código Penal)

Entraves
Autor de um dos projetos, o
senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) acredita que a interferência de
setores religiosos prejudicou o Congresso brasileiro a aprovar até hoje
uma legislação sobre o tema. Na avaliação dele, a decisão do STF irá
“fazer perder o objetivo das leis”, gerando uma jurisprudência sobre a
questão.

“Se não temos uma legislação ainda sobre o tema, e o STF
tem que julgar a questão, não foi por falta de iniciativa. Eu
apresentei em 2000 um projeto que não andou por pressões e lobby de
diversos setores religiosos”, critica. “Eu sou médico, ginecologista e
obstreta e, em 14 anos de profissão, nunca vi um anencéfalo sobreviver a
mais de 48 horas após o nascimento.”

Ainda conforme o senador,
“a lei já prevê o aborto em caso de estupro e de risco para a mãe”. “Só
estamos para o caso de anencéfalos, em que também há riscos”, defende.

“Os
projetos estão parados não é porque são polêmicos, é porque a
tramitação na Casa é cheia de obstáculos”, afirma o deputado federal
Anthony Garotinho (PR-RJ), que integra a bancada evangélica no
Congresso. “Tem projetos de dez anos que não saem do lugar e outras
questões polêmicas que foram votadas. Tanto que estou propondo mudança
no regimento da Casa.”

Quem legisla?
Para o deputado, a
lei é clara ao proibir o aborto nesse tipo de caso, e, para ele, juízes
que decidem o contrário estão desrespeitando o Código Penal.  “Então eu
temo que o Supremo, mais uma vez, vai legislar e, incorrendo, creio eu,
em desrespeito à Constituição, eles devem permitir o aborto”, afirma.

“Não
posso falar pela bancada, mas os anencéfalos, na minha opinião, se for
permitido interromper a gravidez, vai abrir um leque de outras opções.
Amanhã vai ser possível identificar uma criança com Síndrome de Down e
outras deficiências. E essas crianças? Serão abortadas também?”,
questiona Garotinho.

Já a deputada Jandira Feghali, autora do
único projeto que tramita na Câmara sobre o tema, “lamenta” a demora do
Congresso em legislar sobre a questão.

“Eu sempre lamento o
retardamento dessas decisões porque isso impacta na vida das pessoas.
Minha proposta é de 2004. Na Comissão de Seguridade Social e Família
tramitou rápido, mas está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
desde 2005”, explica ela.

“A mobilização de diversos pensamentos
filosóficos e religiosos sempre retarda uma decisão e isso é lamentável.
O projeto de lei não é para obrigar (o aborto de anencéfalos), mas
apenas ampliar direitos e opções da mãe”, defende. “O que queremos é
descriminalizar o aborto”, diz ela, dando o direito à gestante de um
anencéfalo de escolher se quer ou não interromper a gravidez.

Novo Código Penal
Para
o procurador regional da República da 3ª Região Luiz Carlos dos Santos
Gonçalves, a aprovação do novo Código Penal resolve o problema.

Relator
do anteprojeto da reforma do código, ele afirma que o texto deve
descriminalizar o aborto quando for comprovada a anencefalia ou a
existência de doenças graves e anomalias incuráveis no feto, que
inviabilizem a vida.

Gonçalves vê como “natural” a resistência de
bancadas religiosas à polêmica. “Numa questão como esta, diversas
opiniões filosóficas ou religiosas têm legitimidade. Mas a antecipação
do parto é vista como um procedimento médico e não ético”, diz.

Segundo
o procurador, o objetivo da mudança é deixar que a mãe tenha liberdade
para tomar a decisão de levar a gravidez adiante nesses casos.

“Estamos
propondo que não seja crime a antecipação do parto nestes casos, entre
eles quando o feto não tiver cérebro ou tiver alguma doença que impeça a
vida extrauterina. A minha ênfase é que a mulher possa tomar a decisão
caso queira continuar a gravidez, mas isso não pode ser uma coisa
imposta. O estado não pode obrigar esta mulher que quer ser mãe que leve
a gravidez até o fim, com as dores da gravidez e as alegrias do parto,
se ela não quer”, afirma.

Definição
A chamada
“anencefalia” é uma grave malformação fetal que resulta da falha de
fechamento do “tubo neural” (a estrutura que dá origem ao cérebro e a
medula espinhal), levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro
cabeludo. A junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o
bebê sobreviver, mesmo se chegar a nascer.

Estimativas médicas
apontam para uma incidência de aproximadamente um caso a cada mil
nascidos vivos no Brasil. Cerca de 50% dos fetos anencéfalos apresenta
parada dos batimentos cardíacos fetais antes mesmo do parto, morrendo
dentro do útero da gestante, de acordo com dados da Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Um
pequeno percentual desses fetos apresenta batimentos cardíacos e
movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por
algumas horas e, em raras situações, por mais de um dia.

Isso não
significa possibilidade de sobrevida, explica o médico Olímpio Barbosa
de Moraes Filho, presidente da comissão de assistência ao abortamento,
parto e puerpério da Febrasgo. “Ele precisa do cérebro para comer, para
respirar. Não há como respirar sem cérebro, por isso ele morre, no
máximo, em algumas horas. A chance de sobrevivência é zero”, diz Moraes
Filho.

O diagnóstico pode ser dado com total precisão pelo exame
de ultrassom e pode ser detectado em até três meses de gestação. As
informações são do G1.

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