Acusado de mais de 20 mortes, traficante usa o terror para mandar


Diplomacia
é uma palavra que não existe no vocabulário de Wallace de Oliveira
Santos, o Ace, 22 anos. Em Saramandaia, localidade de Pernambués, o
traficante governa a comunidade com mãos de ferro e seu nome mal pode
ser pronunciado entre os moradores.

Com
Ace é assim: briga de vizinhos, nada de polícia; se roubar na área, ele
mata; e se ele invocar com alguma coisa, mata também. “O negócio dele é
matar”, assegura o investigador José Guerreiro, chefe do setor de
investigações da 11ª Delegacia de Polícia (Tancredo Neves).



Em Saramandaia, Ace é conhecido pela frieza com que mata seus desafetos e se impõe pelo medo

Ao
ditador, de acordo com a polícia, são atribuídos mais de 20 homicídios,
além de tráfico de drogas e roubos. Esses dois últimos crimes já
colocaram o bandido atrás das grades.

A
soberania do criminoso leva tanto medo à comunidade, que ele é definido
como presidente de Saramandaia, embora ele mesmo se declare repositor
de mercadorias. “A presidenta manda no Brasil, mas em Saramandaia quem
manda é Ace”, diz uma moradora, implorando para não ter o nome
divulgado.

O
mais recente ato criminoso do governo Ace, acredita a polícia, ocorreu
domingo passado. De acordo com  testemunhas, eram 19h quando Ace e mais
seis comparsas invadiram a mercearia do comerciante Luis Carlos Ribeiro,
33, e o executaram com mais de 30 tiros.

“A
mercearia estava cheia. Eles (os criminosos) mandaram todo mundo se
afastar, ficaram de frente para o comerciante e abriram fogo. Ninguém
entendeu nada”, relata um morador, que também não quer ser identificado.

De
acordo com a polícia, Luis Carlos pode ter sido morto porque fez
recarga no celular de um presidiário inimigo de Ace, a pedido de um
cliente. “As informações que temos é que o comerciante era uma pessoa de
bem e trabalhador”, comenta Guerreiro.

Investigações  

O crime, porém, é investigado pelo delegado Vinícius Moor, do
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Ele preferiu não
comentar o caso para não atrapalhar as investigações.

Na
terça-feira – dia do sepultamento do corpo de Luis Carlos –, conta a
polícia, Ace e seus comparsas atacaram novamente a mercearia, além de
arrombar a casa do comerciante, levando objetos. A mulher da vítima
deixou a comunidade em um carro da polícia, temendo represálias.

Desde
então, Ace não foi mais visto na comunidade. À polícia, o criminoso
informou a Rua da Horta como endereço oficial. Encontrá-lo na sede,
porém, é improvável. “A gente sabe que ele não saiu de lá (de
Saramandaia), mas cada dia dorme em um lugar diferente. A comunidade tem
medo de denunciar”, ressalta Guerreiro, lembrando o número do
Disque-Denúncia:3235-0000.

Herança

Ace não reina sozinho em Saramandaia. Ele é uma espécie de ministro da
gestão do traficante Cosme da Paixão Lisboa, o Coe, 26 , preso em
janeiro de 2010. O líder maior, diz a polícia, continua dando ordens aos
comparsas, mas embora respeite o chefe, além de comandar a localidade,
Ace não abre mão de matar. “Com Coe na comunidade, ele ainda respeita e
não mata. Mas agora não tem ninguém que segure ele lá”, expõe um outro
morador. E se Coe mandar matar, acrescenta ele, aí Ace cumpre a ordem
com gosto.

Pouco
diplomático, Wallace extermina todos que lhe causam problema ou que o
desagradam. “Se chamar ele de feio, ele mata. Se fizer algo que ele não
gosta, ele mata. Se roubar aqui dentro, ele mata também. Só nos resta
pedir a Deus para não cruzar o caminho dele”, diz assustada uma
moradora.

Em
setembro, Wallace e um comparsa conhecido como Leno mataram Marcos
Paulo de Jesus, na travessa Sergipana, e balearam Robson de Jesus na
avenida Hilda, em Pernambués, a mando de Coe.

Tatuagens

As vítimas, segundo a polícia, eram comparsas de Coe, mas estariam
roubando na área do tráfico de drogas. As marcas de Wallace não param
por aí. Nas costas, braço direito e barriga, as tatuagens de palhaço,
caveira, anjo, carpa e flores revelam os crimes e a personalidade do
bandido.

Os
significados das tatuagens integram a Cartilha de Orientação Policial
da Secretaria da Segurança Pública, elaborada por um tenente da Polícia
Militar, autor de um estudo que já entrevistou mais de 15 mil detidos.

No
calo de Ace, há quem ainda queira compartilhar o poder. Grupos rivais
da rua Minas Gerais, sob o comando de traficantes conhecidos como
Ronaldo e Pita, e da Baixa do Manú, chefiada por Babalú, vivem em
conflito por causa da disputa de pontos de tráfico.

Preso, Coe também dá ordens

O maioral de Saramandaia, o traficante Cosme da Paixão Lisboa, o Coe,
26 anos, está preso desde janeiro de 2010. Ele é apontado como o líder
do 1º Comando da Saramandaia e continua dando ordens aos comparsas. Coe
foi preso durante uma operação da 1ª Companhia Independente da Polícia
Militar.



Coe foi preso em janeiro de 2010 após fazer uma família refém

Na
época, o criminoso foi flagrado com uma sacola cheia de maconha e
tentou fugir. O bandido invadiu uma casa e fez uma família refém. Para
libertar as vítimas e se entregar à polícia, Coe exigiu a presença da
imprensa. As negociações duraram três horas.

Ele
ainda reagiu com tiros e, além da droga, os policiais apreenderam duas
pistolas. Na comunidade, há quem torça para que o poder no bairro
retorne para as mãos do líder, considerado assistencialista. “Precisamos
de  Coe aqui na Saramandaia urgentemente. Quando faltava gás lá em
casa, a gente pedia a ele”, diz um morador.  “Sem Coe, a Saramandaia
pega fogo. Wallace oprime os moradores”, lamenta outro.

Logo
após ele ser preso, chegou a circular no bairro um um abaixo-assinado
para mostrar a vontade da população de que Coe deixasse a prisão. Tudo
por medo da guerra pelo comando do tráfico.



Violência já é rotina para comunidade

O medo já faz parte da rotina de quem vive em Saramandaia. A comunidade
não tem a quem recorrer e está à mercê das leis do tráfico. “Wallace
manda em tudo por aqui. Tráfico, comércio… Comanda a vida de todo
mundo. A ordem é não chamar a polícia. Se tiver um problema para
resolver, é ele quem toma a frente”, revela um morador.

O
temor que todos sentem fez um pai entregar praticamente de bandeja a
filha aos desejos do traficante. Moradores relatam que quando viu que a
filha estava se envolvendo com Wallace, um senhor chegou a tirá-la da
comunidade.

O
traficante teria então ameaçado de morte o sogro se ele não a trouxesse
de volta. Ele não teve escolha e a garota é a atual primeira- dama do
bairro. Com o clima de terror instalado, a comunidade acha que o
criminoso implacável está acima da lei. Ninguém acredita que alguém
possa detê-lo.



Bairro tem 80 mil moradores e é bem localizado

Uma localidade com nome de novela. Em 1976, foi ar pela TV Globo a
novela Saramandaia. Na tela, dois grupos brigavam por causa da mudança
do nome do vilarejo baiano. De um lado, os tradicionais defendiam a
conservação do nome original, Bole-Bole. De outro, os mudancistas
alegavam sentir vergonha de dizer onde moravam. Lá, coisas estranhas
aconteciam.



Violência é um dos grandes problemas do bairro de Saramandaia

Um
dos exemplos emblemáticos disso é o caso de Dona Redonda, personagem
interpretada pela atriz Wilza Carla, que comeu tanto a ponto de
explodir. 

Tudo na ficção. A Saramandaia real, em Salvador, fica atrás do Detran e
da rodoviária, perto de grandes shoppings. A localização permite aos
moradores o acesso à praticamente toda a cidade, por meio do transporte
público.

Cerca
de 80 mil pessoas moram na comunidade, considerada carente. O comércio 
reúne mercadinhos e lanchonetes, armarinhos e butiques, sorveterias. 
Lá, coisas estranhas também acontecem: moradores vivem sob o domínio de
facções criminosas.

Apesar
da violência que aumenta na região, algumas entidades, como a
Associação de Pais e Mestres de Saramandaia  se mobilizar para ocupar os
jovens do bairro.

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