Supremo decide por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro não é crime


Após dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta
quinta-feira (12) que grávidas de fetos sem cérebro poderão optar por
interromper a gestação com assistência médica. Por 8 votos a 2, os
ministros definiram que o aborto em caso de anencefalia não é crime.

O
Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e
de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo. Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a
gravidez diante do diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde
física e psicológica. Aliado ao sofrimento da gestante, o principal
argumento para permitir a interrupção da gestação nesses casos foi a
impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero.

“Aborto é
crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do
anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente
vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não
gozando de proteção estatal. […] O anencéfalo jamais se tornará uma
pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte
segura. Anencefalia é incompatível com a vida”, afirmou o relator da
ação, ministro Marco Aurélio Mello.

A tese do ministro Marco
Aurélio foi acompanhada pelos ministros Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim
Barbosa, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, presidente da corte, foram contra. O
caso foi julgado por 10 dos 11 ministros que compõem a Corte. Dias
Toffoli não participou porque se declarou impedido, já que, quando era
advogado-geral da União, se manifestou publicamente sobre o tema, a
favor do aborto de fetos sem cérebro.

“Um bebê anencéfalo é
geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor. Apesar de
que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por minutos, a falta
de um cérebro descarta complementamente qualquer possibilidade de haver
consciência. […] Impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal
equivale à tortura”, disse o ministro Luiz Fux.

O entendimento do
Supremo valerá para todos os casos semelhantes, e os demais órgãos do
Poder Público estão obrigados a respeitá-lo. Em caso de recusa à
aplicação da decisão, a mulher pode recorrer à Justiça para interromper a
gravidez.

A decisão foi tomada pelo STF ao analisar ação
proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde,
que pediu ao Supremo a permissão para, em caso de anencefalia, ser
interrompida a gravidez.

Os ministros se preocuparam em ressaltar
que o entendimento não autoriza “práticas abortivas”, nem obriga a
interrupção da gravidez de anencéfalo. Apenas dá à mulher a
possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de anencefalia.

“Faço
questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não está decidindo
permitir o aborto. […] Não se cuida aqui de obrigar. Estamos
deliberando sobre a possibilidade jurídica de um médico ajudar uma
pessoa que esteja grávida de feto anencéfalo de ter a liberdade de
seguir o que achar o melhor caminho”, disse Cármen Lúcia. 

Julgamento
O julgamento começou na manhã desta quarta-feira
(11) e cerca de sete horas depois foi interrompido quando já havia cinco
votos favoráveis à permissão de aborto de anencéfalos.

O
primeiro dia foi marcado por vigílias de grupos religiosos e de defesa
da vida e pela presença, no plenário, de mulheres que sofreram gravidez
de feto anencéfalo e de uma criança que chegou a ser diagnosticadascom a
doença e sobreviveu após o parto. A sessão foi retomada na tarde desta
quinta com o voto do ministro Ayres Britto, em defesa do aborto diante
do diagnóstico de anencefalia. Foram mais de seis horas de julgamento
nesta quinta – cerca de 13 horas de debates no total.

“[O aborto
do feto anencéfalo] é um direito que tem a mulher de interromper uma
gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução ‘dar à
luz’. Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. É como se fosse uma
gravidez que impedisse o rio de ser corrente”, afirmou o ministro Ayres
Britto, cujo voto definiu a maioria dos ministros a favor do aborto de
feto anencéfalo.

Celso de Melo destacou que a gravidez de
anencéfalo “não pode ser taxada de aborto”. “O crime de aborto pressupõe
gravidez em curso e que o feto esteja vivo. E mais, a morte do feto
vivo tem que ser resultado direto e imediato das manobras abortivas.
[…] A interrupção da gravidez em decorrência da anencefalia não
satisfaz esses elementos.”

Tema controverso
O pedido da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde foi atendido pelo STF
após oito anos de tramitação do processo. Em 2004, o relator chegou a
liberar o aborto de anencéfalos em decisão liminar (provisória), que
meses depois foi derrubada pelo plenário. Em 2008, audiências públicas
reuniram cientistas, médicos, religiosos e entidades da sociedade civil
para discutir o tema controverso.

Para a entidade, não se trata
de aborto, mas da “antecipação terapêutica do parto”, diante da
inviabilidade de sobrevivência do feto.

“A interrupção nesses
casos não é aborto. Então, não se enquadra na definição de aborto do
Código Penal. O feto anencefálico não terá vida extra-uterina. No feto
anencefálico, o cérebro sequer começa a funcionar. Então não há vida em
sentido técnico e jurídico. De aborto não se trata”, afirmou o advogado
da entidade, Luís Roberto Barroso durante sua sustentação oral no
plenário do STF.

Entidades religiosas
O ministro Gilmar
Mendes criticou a opção do relator por não incluir como partes da ação
entidades religiosas. Para ele, o debate precisava ser
“desemocionalizado”.

“Essas entidades são quase que colocadas no
banco dos réus como se tivessem fazendo algo de indevido e não estão. É
preciso ter muito cuidado com esse tipo de delírio desses faniquitos
anticlericais”, afirmou Mendes.

Divergência
Apenas os
ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso se manifestaram contra o
aborto de fetos sem cérebro, entre os dez que analisaram o tema.

Para
Lewandowski, o Supremo não pode interpretar a lei com a intenção de
“inserir conteúdos”, sob pena de “usurpar” o poder do Legislativo, que
atua na representação direta do povo. Ele afirmou que o assunto e suas
conseqüências ainda precisam ser debatidos pelos parlamantares.

“Uma
decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos anencéfalos, ao
arrepio da legislação existente, além de discutível do ponto de vista
científico, abriria as portas para a interrupção de gestações de
inúmeros embriões que sofrem ou viriam sofrer outras doenças genéticas
ou adquiridas que de algum modo levariam ao encurtamento de sua vida
intra ou extra-uterina”, disse.

Peluso comparou o aborto de fetos
sem cérebro ao racismo e também falou em “extermínio” de anencéfalos.
Para o presidente do STF, permitir o aborto de anencéfalo é dar
autorização judicial para se cometer um crime.

“Ao feto, reduzido
no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa imprestável e
incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor consideração ética
ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade jurídica que lhe vem
da incontestável ascendência e natureza humana. Essa forma de
discriminação em nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e do
chamado especismo”, disse Peluso.

“Todos esses casos retratam a
absurda defesa em absolvição da superioridade de alguns, em regra
brancos de estirpe ariana, homens e ser humanos, sobre outros, negros,
judeus, mulheres, e animais. No caso de extermínio do anencéfalo
encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso superior que, detentor
de toda força, infringe a pena de morte a um incapaz de prescendir à
agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa”, completou o presidente do
STF, que proferiu seu voto antes de proclamar o resultado do julgamento.

Anencefalia
O
relator do caso, ministro Marco Aurélio, citou dados da Organização
Mundial de Saúde (OMS), referentes ao período entre 1993 e 1998, segundo
os quais o Brasil é o quarto país no mundo em incidência de anencefalia
fetal, atrás de Chile, México e Paraguai. De acordo com o ministro
Gilmar Mendes, dos 194 países vinculados à Organização das Nações Unidas
(ONU), 94 permitem o aborto quando verificada a ausência parcial ou
total de cérebro no feto.

A chamada anencefalia é uma grave
malformação fetal que resulta da falha de fechamento do tubo neural (a
estrutura que dá origem ao cérebro e a medula espinhal), levando à
ausência de cérebro, calota craniana e couro cabeludo. A junção desses
problemas impede qualquer possibilidade de o bebê sobreviver, mesmo se
chegar a nascer.

Estimativas médicas apontam para uma incidência
de aproximadamente um caso a cada mil nascidos vivos no Brasil. Cerca de
50% dos fetos anencéfalos apresenta parada dos batimentos cardíacos
fetais antes mesmo do parto, morrendo dentro do útero da gestante, de
acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia (Febrasgo).

Um pequeno percentual desses fetos
apresenta batimentos cardíacos e movimentos respiratórios fora do útero,
funções que podem persistir por algumas horas e, em raras situações,
por mais de um dia. O diagnóstico pode ser dado com total precisão pelo
exame de ultrassom e pode ser detectado em até três meses de gestação.
As informações são do G1.

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