Alessandra Negrini : “A Globo entendeu todas as vezes que disse não”


Ao longo da carreira, Alessandra Negrini ficou conhecida por suas
interpretações densas, viscerais e sensuais de produções como
Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados e A Muralha. Sem se desfazer da
figura forte que construiu através de suas personagens, ao completar 20
anos de televisão – ela estreou em Olho no Olho, de 1993 –, Negrini
assume que só quer saber de leveza e boas risadas.
Alessandra Negrini: “Estou
mais madura artisticamente e agora tenho autonomia para fazer o que eu
realmente quero. Interpretar personagens de humor e com energias
positivas é a minha prioridade”, conta a intérprete da aprendiz de vilã
Catarina, de Lado a Lado.
A interesseira e divertida personagem da atual novela das seis marca o
retorno da atriz paulista aos folhetins, cinco anos depois de viver as
gêmeas Taís e Paula, de Paraíso Tropical.
“Fazer duas personagens no horário das nove não foi fácil, eu precisava desse tempo para me reciclar”, admite.
Aos 38 anos, Negrini ainda guarda o mesmo olhar misterioso da época de
Olho no Olho, assim como mantém a sensualidade latente do período de
Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados. No entanto, se mostra mais
serena e cuidadosa diante de sua figura pública e da carreira de atriz.
“Antes, eu queria me descobrir. Hoje, me encaro de forma mais racional.
Isso reflete na minha vida pessoal e no que eu quero experimentar como
intérprete”, acredita.
 
Outras vidas

Alessandra Negrini confessa que tem uma queda por trabalhos de época. A
primeira experiência em produções do tipo foi em Engraçadinha: Seus
Amores e Seus Pecados, de 1995, que retratava os anos 1940. Tempos
depois, ela teve a oportunidade de viver a corajosa Isabel de A Muralha,
minissérie exibida em 2000 e ambientada no Brasil do século XVIII.
Posteriormente, em 2006, interpretou a delicada Yedda, de JK”. 

“São produções ricas, cheias de referências e detalhes que me chamam a
atenção. É sempre divertido e agregador fazer coisas desse tipo”,
garante.

No caso de Lado a Lado, a atriz se empolga com o caráter educacional do
texto de Cláudia Lage e João Ximenes Braga. Ao mostrar o período
da Belle Époque e a movimentação em torno do fim da abolição, a atriz
acredita que a trama consegue ultrapassar a barreira do simples
entretenimento. 

“É uma grande aula de história, com um texto que me dá possibilidades de desenvolver bem o meu trabalho”, valoriza.

Opção pela arte

Durante a juventude, a carreira de atriz era uma grande dúvida na
cabeça de Alessandra Negrini. Passado o sonho de infância de ser cantora
lírica, aos 18 anos, ela estudou alguns períodos da faculdade de
Jornalismo, mas não gostou. Anos depois, cursou Ciências Sociais e
também não se encontrou. 

“Atuar era um desejo distante. Não tinha atores na família, nem
referências, mas exista uma curiosidade”, explica a atriz que,
paralelamente aos estudos, fazia aulas experimentais de teatro. 
“Teve uma hora em que tive de escolher e já estava totalmente envolvida
pela atuação. Larguei tudo e fui buscar formação e oportunidades de
emprego como atriz”, conta.
O Fuxico: Lado a Lado é sua primeira novela em cinco anos. O que a fez retornar aos folhetins?

Alessandra Negrini: Senti que seria uma boa
oportunidade de fazer novela. Não é todo dia que uma história como a
de Lado a Lado e uma personagem como a Catarina aparecem. Recebi uma
ligação do (autor) João Ximenes Braga falando sobre a personagem e como
ela iria movimentar a trama. O fato de ser uma vilã carregada de um
humor bem peculiar, cantora lírica, mulher independente e de atitudes
pouco ortodoxas me deixaram bem interessada.

OF:
Antes da atual novela das seis, você fez apenas participações em
séries, como As Brasileiras. Foi uma opção sua ficar distante de
trabalhos mais longos depois de Paraíso Tropical?

AN: Eu precisava de um tempo. Saí de Paraíso
Tropical totalmente esgotada e querendo longas férias. Fazer
protagonista dupla em uma novela das nove foi uma experiência muito
intensa. Fui elogiada, criticada e trabalhei demais. Então, eu tinha de
me dar um tempo, descansar minha imagem, minha mente e meu corpo. Nesses
cinco anos, também pude conduzir minha carreira por caminhos mais
alternativos. Eu ansiava e precisava me reciclar.

OF: De 2007 a 2012, você esteve em sete longa-metragens. O cinema foi seu escape criativo?

AN: Exatamente. Nos anos 90, primeira fase da minha
carreira, eu deixei de fazer muitos filmes em detrimento do meu trabalho
na tevê. Aproveitei o fim de Paraíso Tropical para fazer o inverso. A
emissora entendeu esse momento e me deixou livre para dar esse passo
mais independente. Como atriz, essa medida foi essencial e se revelou
muito frutífera. Fui ao Festival de Cannes e Veneza com Cleópatra e a A
Erva do Rato, do Julio Bressane. Pude experimentar um cinema mais jovial
e ágil em 2 Coelhos, além de ser premiada por Abismo Prateado e por
outros longas.

OF: Você já estava com saudades de fazer novela ou essa volta foi alguma exigência da Globo?

AN:
Eu sentia falta de fazer novela sim. Mas não é do meu tipo aceitar
qualquer coisa. Esperei aparecer uma personagem bacana e marquei esse
retorno. Não fazia uma novela das seis desde Anjo Mau e gosto desse
clima mais leve do horário. Seria muito chato voltar ao estúdio com a
pressão ou o peso de protagonizar uma trama das nove, por exemplo. O bom
disso tudo é que mesmo sob contrato, a direção da Globo entendeu todas
as vezes que disse “não” para personagens.

OF: Quando você entrou em Lado a Lado, a trama já
estava sendo exibida há dois meses. Sentiu alguma dificuldade para
entrar no clima do folhetim?

AN: Eu sabia que iria entrar, mas estava incerto ainda
em qual momento. Para não chegar muito perdida, acompanhei boa parte da
trama. Só que não adianta, eu poderia estar trabalhando desde o início
ou só entrar no fim, o mais importante é ter o texto em mãos. Sabia mais
ou menos como seria a Catarina, mas não tinha ideia da energia e da
personalidade forte que ela iria exibir. Ter o roteiro na mão me
tranquilizou e me deu segurança.

OF: Por ser uma novela de época, você se preocupou em compor a personagem de maneira mais específica?

AN: Eu crio muito intuitivamente. Não planejo gestos e
olhares, tenho uma intuição de como a personagem reage e embarco por
esse caminho. Já fiz outras coisas de época. Portanto, fiquei mais
preocupada em dar nuances à personalidade da Catarina, do que em me
sentir bem e familiarizada com figurinos e atitudes do início do século
XIX. Fora os trabalhos no cinema e na tevê que me deram esses
conhecimentos, histórias sobre e ambientadas na Belle Époque sempre me
interessaram. E o fato da personagem ser uma cantora lírica me deu uma
liberdade enorme para criar.

OF: Como assim?

AN: Ela é uma artista e exala liberdade. Nesse ponto,
se assemelha ao tom “à frente de seu tempo” que é evidente nas
personagens da Marjorie (Estiano) e da Camila (Pitanga). Isso é
excelente para o processo de construção. A Catarina realmente tem o
caráter duvidoso, é interesseira, mas não é só isso. Ela tem coisas
bonitas também. Defino-a como uma opereta, aquelas óperas leves que os
cantores líricos chamam de champanhe. Ela não tem uma raiva específica,
vai fazer mal a quem atrapalha os interesses dela. Por exemplo, ela quer
separar o casal principal apenas para garantir seu sustento.

OF: Você fez aulas de canto na juventude e já soltou a
voz em algumas peças de teatro. No entanto, as apresentações de
Catarina em Lado a Lado são dubladas. Em algum momento, chegou a pensar
em usar a própria voz para esta personagem?

AN: Eu adoraria ter cantado de verdade, mas seria inviável. O
canto lírico exige muita técnica e eu teria de estudar muito para
conseguir entregar um trabalho no nível que a personagem é descrita, que
é o de uma diva, uma grande cantora. Seria um desrespeito com a música
lírica se eu cantasse sem o estudo necessário. Aí, a voz da Catarina
ficou com a Clarice Prietto, mezzo-soprano do Municipal do Rio de
Janeiro. E, por fim, vi que dublar bem é extremamente difícil.

OF:  Por quê?

AN: Eu não quero que fique uma coisa fake. Então, os
ensaios para dublar acabam virando uma grande aula de canto. Para ter a
sincronia perfeita com o som original, é preciso entender a emoção da
música, a entonação da cantora, a abertura da boca. Como intérprete,
tenho de ter essa noção. Por isso, durante as gravações, mesmo com as
minhas limitações, eu canto. Se fosse de outro jeito, as cenas ficariam
bem pouco críveis.

OF: Você tem gostado do resultado das cenas?

AN: Apesar de autocrítica, tenho ficado satisfeita.
Engraçado é que, ao me ver como Catarina, rola um sentimento de
realização pessoal. Pois meu sonho de infância era ser cantora lírica.
Vivia cantando pela casa e perguntando: “Mãe, você acha que eu canto
bem?” (risos). Mas acabei indo pelo caminho da atuação.

OF: Este ano, você completa 20 anos de televisão. O
que a maturidade e a experiência mudaram no seu modo de enxergar a
profissão de atriz?

AN: Muita coisa mudou. A única coisa que eu acho que
está intacta é o meu brilho no olhar a cada cena e personagem. Essa
curiosidade pelo ser humano e o desejo de expressão estão na minha
natureza de artista. Olhando pelo lado das mudanças, agora eu acredito
que tenho outras pretensões artísticas. Fiz personagens densas e
libidinosas durante toda a minha carreira. Então, na contramão disso,
tenho olhado com mais carinho para tipos cômicos e leves. Acho que é um
lado que eu devo explorar em trabalhos futuros.

Trajetória Televisiva

# “Olho no Olho” (Globo, 1993) – Clara.

# “Retrato de Mulher” (Globo, 1993) – Bruna.

# “Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados” (Globo, 1995) – Engraçadinha.

# “Cara e Coroa” (Globo, 1995) – Natália.

# “Anjo Mau” (Globo, 1997) – Paula.

# “Meu Bem Querer” (Globo, 1998) – Rebeca.

# “A Muralha” (Globo, 2000) – Isabel.

# “Desejos de Mulher” (Globo, 2002) – Selma.

# “Sítio do Pica-Pau Amarelo” (Globo, 2003) – Rapunzel.

# “Celebridade” (Globo, 2003) – Marília.

# “JK” (Globo, 2006) – Yedda.

# “Paraíso Tropical” (Globo, 2007) – Paula/Taís.

# “As Cariocas” (Globo, 2010) – Marta.

# “Tal Filho, Tal Pai” (Globo, 2010) – Bárbara.

# “Lado a Lado” (Globo, 2012) – Catarina.

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