Mapa deixa clara a concentração de homicídios em bairros pobres


Lojas de ferragens, de som automotivo, de peças de
carro usadas, alguns ferros velhos, galpões acumulando carcaças e
estratégicas portas por onde se vende cerveja. Atrás de tudo isso, 5.024
habitantes. Apinhados em casas de reboco exposto, em ruas sem
calçamento, iluminação, saneamento… Lazer? Não há praças ou campinhos,
nem mesmo os de barro.
A Baixa do Fiscal – região que segundo o IBGE
pertence ao bairro Calçada – é a localidade mais violenta de Salvador.
Lá foram registrados oito dos dez homicídios da Calçada. Se
considerarmos a população de todo o bairro, a taxa de homicídios por 100
mil habitantes ao ano (referência utilizada pela ONU para medir a
violência) chega a exorbitantes 526 – a média em toda a capital baiana é
de 65.
No segundo dia da série sobre as 1000 mortes em 2012
em Salvador e Região Metropolitana (RMS), o CORREIO mostra o mapa dos
homicídios da capital, bairro a bairro, com base nos dados divulgados
pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) cruzados com informações do
IBGE.
No mapa, fica clara a diferença entre as taxas de
homicídios mais baixas nos bairros nobres, em contraponto a uma alta
violência na periferia e no Subúrbio Ferroviário, onde fica a Baixa do
Fiscal.
“Em muitos lugares, você não tem cara de bairro, não
tem uma padaria, uma praça, uma farmácia, isso mexe com a estima das
pessoas. Às vezes eu chego em alguns locais e me pergunto: ‘o que essas
pessoas fazem no fim de semana?’. Muitas vezes o que sobra é o caminho
das drogas”, analisa a delegada Francineide Oliveira, coordenadora do
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
“É onde temos a maior densidade populacional em
condições precárias. Além da segurança pública, quais são os outros
itens que estão pendentes na vida dessas pessoas? Não tem nada. Não tem
iluminação, não tem saneamento, nada”, completou o secretário da
Segurança Pública, Maurício Barbosa.
A faxineira Raimunda Nascimento, 32, sabe o que isso
significa. “Criar filho pequeno aqui é duro. Eu ensino a não andar com
quem faz coisa errada e ele, graças a Deus, me obedece, mas ele cresceu
vendo defunto na porta de casa”, afirma.
Maior aumento
A 2,5 km dali, o Lobato
registrou o maior aumento no número de vítimas da violência. Pulou de 11
homicídios na mesma quantidade de dias de 2011 para 22 mortes violentas
neste ano, um aumento de 100% com relação ao ano passado.
O motivo da escalada, segundo a delegada Laura
Argolo, da DHPP, foi a briga entre gangues rivais que disputam o comando
do tráfico de drogas na região. “Em março, houve uma invasão de
território que era do traficante Cabelinho e houve nove mortes. De lá
para cá, esse índice caiu”, diz.
Mais 4,5 km, chegamos à Liberdade, onde a situação é
semelhante. O delegado responsável pela área na Delegacia de Homicídios
– que optou por não identificar seu nome  – relacionou a morte de sete
pessoas entre abril e maio à disputa pelo ponto de venda de drogas que
era comandado pelo traficante Bruno Ramos Figueiredo, o Bruxo, preso no
dia 19 de abril. Segundo ele, boa parte dos traficantes do Nordeste de
Amaralina se instalou na região. “Quem atuava lá e teve de sair depois
das Bases Comunitárias encontrou abrigo na Cidade Nova, na Liberdade”,
afirmou.
Como resposta aos altos índices de violência no
Subúrbio Ferroviário, o secretário Maurício Barbosa apontou a
inauguração da Base Comunitária de Segurança de Fazenda Coutos e a
construção de outras duas em Rio Sena e Uruguai, e uma nova delegacia em
Plataforma.
Ilhas de paz
Cercados por áreas com alto
índice de homicídios, bairros como o Cabula e o Imbuí não registraram
nenhum homicídio em 2012. A estrutura urbana organizada em condomínios
de classe média ajudou o trabalho de repressão, segundo analisa a
delegada  Francineide.
“O trabalho da polícia é diferenciado, porque a
viatura transita tranquilamente nas ruas. Na Engomadeira (vizinho ao
Cabula) o acesso é prejudicado, há muitos becos onde carros não entram,
as casas são construídas de
forma mais improvisada”, descreve.

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 Secretário: critério econômico influencia policiamento
Quase
que em proporção inversa ao índice de homicídios, se distribuem os
policiais que atuam na capital baiana. A região mais nobre da capital,
que compreende os bairros da Graça, Barra e Corredor da Vitória, possui
40.997 habitantes. Para a segurança desta parcela da população, há uma
Delegacia Territorial, a 14ª, e uma companhia da Polícia Militar. Lá,
houve neste ano três homicídios.

Por outro lado 374.013 moradores de 22 bairros em
uma região  – que tem em seus extremos os bairros do Pernambués,
Calabetão, CAB e Mata Escura – também têm direito a uma única delegacia,
a 11ª DT. Nesta região morreram 79 pessoas este ano.
Em outra região crítica da cidade, que compreende
nove bairros entre o Sâo Caetano e a Fazenda Grande do Retiro, há apenas
uma delegacia (a 4ªDT) e uma companhia da PM para 216.260 habitantes.
Nestes bairros, 51 pessoas foram vítimas fatais da violência.
O jornal CORREIO solicitou o número de policiais por
Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) à Secretaria da Segurança
Pública, mas a informação não foi divulgada, sob o argumento de que
seria estratégica.
O secretário Maurício Barbosa reconhece a diferença
no tratamento dos bairros da capital. “Uma coisa é você pensar segurança
pública na teoria, outra é a prática. Nós não temos como fator de
influência para a questão de lotação policial somente a questão
populacional. Temos outras áreas de interesse. Quais são? Econômica,
turística, bancária, comercial, e por aí vai”, afirmou.
O secretário relembrou a repercussão da onda de
arrombamentos na Barra, noticiada pelo jornal CORREIO no dia 18 de
abril, e do tiroteio ao meio-dia após uma tentativa de sequestro na
avenida Manoel Dias da Silva, no dia 11 deste mês, que acabou com a
morte de um dos criminosos.
“A Barra tem mais policial por habitante do que o
Subúrbio. Mas deixe de ter um policial na Barra para ver quais são os
efeitos negativos com relação à imagem da cidade, a imagem do Estado, a
imagem de um setor que traz dividendos ao estado, que é o turismo.
Tire um policial da Pituba, que tem uma extensa área
na Manoel Dias da Silva, que é área bancária. Aconteceu um assalto a
banco no meio da Pituba. Qual a repercussão disso aí? Não estamos
lidando apenas com critérios objetivos. A gente tem que parar de levar a
discussão para a questão matemática, temos que entender as nuances”,
concluiu.
O secretário reiterou, entretanto, que a maioria dos
1.851 policiais que se formaram neste ano foi incorporada a companhias
de bairros periféricos da capital e Região Metropolitana. “A preocupação
nossa com a questão dos homicídios está estampada na política que
estamos adotando”, salientou.

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