NOVA SAFRA DE SERTANEJAS CANTA A FAVOR DAS MULHERES ‘PEGADORAS’


Se
em 1960 queimar sutiã era uma boa forma de protesto contra a opressão
feminina da época, décadas depois uma nova safra de sertanejas quer
combater o machismo cantando músicas em resposta. Para mostrar que são
descoladas e “pegadoras”, resolveram fazer releituras de hits como “Ai
se eu te pego”, de Michel Teló, e “Balada”, lançada por Gusttavo Lima.

Nas
novas letras, quem assume a posição de esnobar ou cobiçar é a mulher. O
eu lírico feminino não sofre por amor e mantém uma postura mais
agressiva em relação aos homens. A ideia começa a alavancar a carreira
de sertanejas que buscam um metro quadrado de fama para chamar de seu.

É
na internet que essas moças conseguem projeção para cantar em casas de
shows ou baladas do gênero. Os vídeos postados no YouTube são bem
aceitos. Novos fãs parecem gostar da brincadeira.

Adele do sertanejo

Naiara Azevedo (ouça as músicas no site oficial)
se considera uma “Adele do sertanejo”. Compõe de forma autobiográfica.
As canções são como uma lição para ex-namorados ou casos. Foi com base
nesse principio que escreveu “Coitado” (leia letra e ouça música).

A
letra é uma sátira da música “Sou foda”, do grupo de funk
Avassaladores, e desdenha da potência e do desempenho de um homem:
“Antes de eu me esquecer, só para você saber, todos, todos que provaram
são melhores que você. Traição é traição, romance é romance. Amor é
amor, e com você foi só um lance”, diz o refrão, que já tem até versão
em espanhol.

Embora
evoque uma mulher pegadora, a personagem de suas canções não deve ser
confundida com uma “periguete”. Ao cantar a favor da liberdade feminina,
Naiara afirma que não pretende estimular um comportamento vulgar. “Se
eu quero, vou lá e pego. Valorizo a mulher bem resolvida e cheia de
atitude. Canto para inflar nosso ego. Eu reverto tudo que eu escuto. As
letras se propõem a responder o que os homens pensam que são”, explica.

 

Naiara Azevedo, que canta ‘Coitado’, diz que se considera a ‘Adele do sertanejo’  (Foto: Divulgação)

A

 

 

 

 

 

 

Mistura de feminismo com doses
de recalque alavancou a carreira da paranaense. Há dois anos, abandonou
um curso de esteticista e assumiu a vida artística como profissão. Já
deu canja em show do Gusttavo Lima, em 2011, e lançou seu primeiro CD.
Bancou os custos do primeiro disco, mas só começou a decolar após
publicar a canção em resposta no YouTube.

Hoje,
aos 22 anos, faz de 15 a 20 shows por mês e “ganha mais do que
trabalha”. Ainda não conquistou o tão desejado jatinho – meio de
transporte habitual dos cantores sertanejos famosos – mas se locomove em
um ônibus particular que estampa sua foto em poses sensuais. Ela
credita o sucesso não apenas ao ineditismo, mas ao perfil, que escapa
dos padrões tradicionais: “Sempre fui gordinha, desde pequena luto
contra a balança. Acho que isso aproximou as fãs. As mulheres não têm
inveja de mim. Eu me considero uma gordinha simpática, não sou mais uma
cantora querendo pagar de gostosa. Só fico incomodada porque roupas não
servem”, brinca.

 

Gizely Dell (Foto: Divulgação)

Gizely Dell gravou resposta para hit de Michel Teló

(Foto: Divulgação)

A
versão feminina de “Ai se te pego” – renomeada como “É ruim que você me
pega” – rendeu fama instantânea a Gizely Dell. Cantora de bandas de
baile desde os 12 anos, já tinha tentado decolar na música sertaneja em
2006, ao formar dupla com Kleber Santos. Em 2008, quando encerrou a
parceria, passou a viver apenas como professora de música em Curitiba.

Voltou
a cantar depois de gravar à sua maneira o sucesso de Michel Teló.
“Affe, se acha, a última bolacha. Cai fora, cai fora, que eu não vou te
dar bola. É ruim que você me pega, é ruim que você me pega”, diz a
canção feita por Gizely (Veja vídeo com a música “É ruim que você me pega”).

“Fiz
no estúdio de um amigo, totalmente sem produção, de brincadeira.
Publicamos no YouTube e em poucos meses já tínhamos mais de 4 milhões de
acessos.” A releitura, embora rechace a postura machista dos homens,
tem objetivo cômico. “Eu não gosto de homem que se acha, quis dar uma
reposta defendendo as mulheres. Vejo que as músicas geralmente são
apelativas. As minhas não falam bobagens. Gosto de compor brincando com
as questões que me incomodam ou inspiram.”

Cartilha

Katia Rosa (ouça as músicas no site oficial)
é professora de uma escola pública em São Paulo de segunda a sexta. Nos
finais de semana, engorda o orçamento como intérprete em bandas de
baile. Há dois anos, investe o salário de professora na carreira
musical. Em novembro de 2011, lançou CD. Aos 36 anos, afirma que tem
dificuldade para ser aceita como cantora sertaneja e diz sofrer
preconceito por conta da idade. “Tem gente que me acha velha para
frequentar essas baladas, para cantar esse tipo de música. Não é fácil.”

 

A professora Katia Rosa ja sofreu preconceito por cantar hits no sertanejo universitário (Foto: Divulgação)

 

 

 

 

 

 

 

Apesar
do esforço, a visibilidade só veio quando ela, inspirada no sucesso da
colega Nayara Azevedo, reescreveu “Balada”, hit na voz de Gusttavo Lima.
“Foi uma estratégia de marketing e uma brincadeira também. Sempre
gostei muito dessa música, sentia uma energia boa. Dissequei a letra e
fui compondo respostas para as afirmações machistas.”

A
paródia de Katia, entretanto, é bem suave perto das demais. “Eu já
escovei meu cabelo, fui lá no salão. (..) Gato, te espero, mais tarde lá
em casa, quero curtir com você essa balada. Dançar, pular, até o sol
raiar. Que eu vou deixar rolar o Tche tche re re tche tchê”. (Ouça a versão feminina de “Tche tcherere tche tchê”)

A
cantora revela que as fãs lavam a alma ao se sentirem representadas nas
letras de resposta. Para ela, não é necessário sempre  xingar os
homens. Basta não fazer papel da coitadinha ou traída. Além de fama, a
pedagoga quer revolucionar (ou “educar”) o meio musical. “O sertanejo
universitário sempre foi uma vertente masculina. A maioria das letras
trata a mulher apenas como objeto de desejo sexual. Passamos anos
caladas, agora estamos conquistando nosso espaço pra cantar o que
pensamos.” G1

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